segunda-feira, 27 de julho de 2009

Hipocrisia é analgésico

Freud disse, certa vez, que um determinando grau de hipocrisia fosse talvez necessário para a conservação da civilização, já que poucos eram os indivíduos dotados de plena autenticidade.
E hoje, cada vez mais escassos, os escudeiros da verdade nua e crua continuam a viver em constante conflito moral, visto que obrigados a abafar muitas de suas opiniões em prol da convivência social ditada pela maioria hipócrita.
Exemplos brotam de todo o lado, especialmente em um país como o Brasil, de formação cultural patrimonialista e católica.
E, ao contrário do que se possa supor, o comportamento hipócrita não está restrito aos mais velhos e conservadores, cuja dificuldade de evolução até compreende-se, pois custe talvez mais caro do que a manutenção do status quo.
As novas gerações, rebentos de revoluções de nomes diversos e de liberdades paridas a fórceps, surpreendentemente são capazes de hipocrisias maiores do que as de seus pais.
Assistem-se cerimônias religiosas de casamentos cujas partes sequer entendem de religião; cumprem-se rituais sociais viciados de clichês de toda ordem, cujo nexo reside em local incerto e não sabido; elegem-se representantes do povo, para o povo e contra o povo, deliberadamente e repetidamente; mantêm-se relacionamentos conjugais cujo alicerce é a fotografia de coluna social; compram-se etiquetas para os filhos e os deixam desabrigados de educação e ética; financiam-se carros de luxo desconhecendo-se os rumos da própria vida.
A maioria mente e a maioria quer acreditar. Não cogitam a possibilidade de serem autênticos os tais hipócritas, pois preferem a comodidade de não serem julgados por seus próprios pares.
Entendo que a convivência em uma sociedade de desiguais requer certo tato e, também, certa hipocrisia – é provável que o apedrejamento constante nos deixasse ainda mais desiludidos.
Tenho, contudo, esperanças renovadas na possibilidade de ir encontrando semelhantes pelo caminho e, ao menos, poder compartilhar minha repulsa à pequenez de visão e de caráter.
Não me presto à marionete e seguirei fiel às minhas descrenças - ainda que a passos menores que os desejados.
Siga-me quem quiser. Não dou esmola, não creio em deuses e mergulho fundo de olhos abertos.


2 comentários:

Márcio Almeida Júnior disse...

Dra. Luciana,
Permita-me, primeiro, cumprimentá-la pela nova diretriz do blogue. Em segundo lugar, quero parabenizá-la pelo post, que toca em questão relevante, a da autenticidade. Psicanálise à parte (aliás, não estou convencido da validade científica de alguns pressupostos da psicanálise, divisei no fundo de suas palavras uma insatisfação quanto à pouquíssima autenticidade presente no mundo. Já tive esse sentimento de insatisfação e o equacionei, em parte, com duas constatações: 1ª) Em boa parte das vezes em que a hipocrisia se faz presente, verdade e falsidade têm pequeno impacto sobre a vida concreta, pois se trata de questões pessoais ou de foro íntimo; 2ª) nas demais vezes, quando estão em questão tópicos de alcance intersubjetivo, a hipocrisia dos outos pode ser, com alguma habilidade, desmascarada por análise fria, uma vez que o hipócrita, como toda pessoa de má fé, raramente consegue se manter coerente e consistente todo o tempo. De qualquer modo, eu considero mais útil pugnar pela autenticidade pessoal, que é uma busca íntima, do que cobrá-la dos outros. Acredito que, em boa medida, a questão é cultural. Teremos mais autenticidade, inclusive nas relações pessoais, quando estiver mais enraizada entre nós uma cultura que valoriza a consequência e a coerência. Por enquanto, sobram-nos jeitinhos e retóricas das quais a sinceridade fugiu a galope.

Luciana F. disse...

Olá Márcio!

Estive, de fato, fora da blogsfera - meio de saco cheio, meio sem inspiração...rsrsrs....Mas devo retomar, pois meu cérebro está em ebulição e não quero explodir sem ao menos deixar alguma ânsia registrada.
E seus comentários são sensacionais, como sempre!
Visitarei seus textos em breve.

Obrigada!
Abraço,