quinta-feira, 1 de março de 2007

O que escrevi no dia 27 (crise pré-30)

Estou à beira dos trinta anos. Digo assim, à beira, porque é como se estivesse por um fio para alguma coisa. Não, nada grave, fiquem tranqüilos, estou bem de saúde e tudo mais. O problema é que ainda não identifiquei essa alguma coisa que vem se insurgindo dentro de mim e isso me tira o sono. Seria bom que fosse apenas uma crise de idade, essas coisas de chegar aos trinta sem ter ganho o primeiro milhão, sem ter certeza da carreira escolhida, do caminho projetado. Seria fácil caso fosse apenas isso. Aliás, tenho a impressão que seria muito chique, muito cool, dizer por aí, com ar meio blasé, que estou passando por um processo de auto-reflexão e de análise do meu propósito existencial. Pega bem até.
De qualquer forma, a situação permanece a mesma. Estou à beira do penhasco. Não, não tenho intenções suicidas, fiquem tranqüilos – há muito já resolvi isso no divã. A propósito, tenho me perguntado se para lá não devo voltar. A numeróloga disse que seria interessante que eu fizesse algum trabalho de auto-conhecimento.
Sinal dos tempos. Quando, em outros carnavais, eu teria uma numeróloga? Logo eu, toda cética, toda cheia de razão pura, que passava de trator sobre a crença do populacho e, do alto da minha racionalidade aguda, ria da imbecilidade coletiva. Agora tenho uma numeróloga.
A flexibilização dos conceitos e dos valores vem junto com a idade, eu sei. Também sei que o mundo é maior do que podemos medir. Estou menos cética e mais perspicaz. Agora me preocupei: se este movimento continuar, chegarei aos sessenta insuportavelmente inteligente. Talvez a idade não seja tão ruim assim.
Na verdade, estou dizendo tudo isso numa tentativa louca de desviar as atenções dos trinta anos. Que atenções? As minhas próprias, evidentemente.
Não sei se caso ou compro uma bicicleta. Nunca uma frase fez tanto sentido. De novo, segundo a numeróloga, tenho que aprender a lidar com o desafio do cinco e do quatro, simultaneamente. Seria mais ou menos como passar a vida inteira resolvendo o famoso dilema.
Nada de novo para minha cabeça, que processa zilhões de idéias conflitantes 24/7. Mas às vezes cansa e dá vontade de ter solução enlatada para tudo. Agora, por exemplo, estou exausta. Fui ler Pessoa para relaxar e piorei. Esqueci que não posso ler as Palavras de Pórtico quando estou em crise existencial. Dá vontade de sair correndo e comprar a maldita liberdade, digo, bicicleta.
Mas, sabem como é, compras de impulso, arrependimento, culpa, a seqüência básica de onde todos os caminhos levam ao divã – ou a compensações menos ortodoxas.
Agora há pouco, enquanto desfrutava de meu colapso pré-trintenário, me mandaram me enxergar – no bom sentido. Que eu tirasse a nuvem do rosto e tivesse a decência de olhar minha própria vida para verificar que, sim, há muitas coisas fantásticas acontecendo e – pasmem – que eu contribuí para que as tais coisas acontecessem.
Vou me esforçar para dar descanso à auto-flagelação mental. Não sei se consigo, mas vou tentar, prometo. Vou despejar o algoz que mora no meu espelho – que deus me ajude.
Não, não estou fazendo tempestade em taça de brandy. A menina superpoderosa também sofre.
Amanhã, no dia fatídico, vou comemorar para dentro, permitam-me.
Vou fugir para a casinha colorida da montanha e ver se me encontro lá.

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